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O que faz um bom actor?



Eu era apenas uma criança e Marlon Brando era apontado como um grande actor de créditos firmados. E esse actor fez o Kar-El no filme "Super Homem", que ia agora estrear na televisão. A fama do "grande actor" antecedeu a exibição e "tomou conta" da propaganda ao filme, protagonizado por um tal de Christopher Reeve, actor menos conhecido e de quem poucos falavam. Era Brando, o mítico, o grande. Brando, Brando, Brando! Uma honra para qualquer director.

Vi o filme e embora tenha achado a prestação forte, não foi este papel o suficiente para poder partilhar da opinião "universal" de que estava diante de um fenómeno à parte de qualquer outro na arte de representar. A reputação de Brando era antecedida por tãos largos elogios e rasgação de seda que é normal que se espere um desempenho para além das expectativas (pobre Brando, pobres artistas assim tão famosos...)

Brando não fez muitos filmes - pelo menos que surgissem na TV com regularidade. Mas fez dois ou três que valem, em reputação, como se tivesse feito uma centena. Um desses foi o mítico (é só miticismo) Apocalipse Now. Quando o vi naquele papel, perguntei a mim mesma porque carga de água estavam a endeusar aquele artista e a enobrecer tanto assim o seu papel e o seu imaculado desempenho. Metade das vezes nem entendia o que ele estava a dizer. A voz saía como um murmúrio e a interpretação física era um tanto limitada pelo facto de quase não o ver, tal é a escuridão no filme, e no facto de este estar simplesmente sentado, a entregar as falas. Não que tivesse falhado, mas não achei que toda a aurea que o rodeia fosse realmente merecida.

A indústria e as pessoas é que criam a popularidade dos actores e os que querem que se destaquem. Normalmente existe um denominador comum: a beleza. Aquele que exercer o maior poder de sedução/intriga, aquele que conseguir fazer suspirar a mulherada na plateia do cinema, faz os homens desejar ter a sua pinta e é um fenómeno de vendas, será o actor/actriz onde a indústria vai apostar com mais afinco. Existe uma reputação a criar e um status de super-estrela a atingir. Existe DINHEIRO em vista.

Brando tinha dinheiro. Muuuuito dinheiro. Ele vivia numa ilha, que comprou nos anos 60, se não estou em erro. Mas morreu na miséria, isolado e sozinho - conta a mesma imprensa que o endeusou. Os problemas familiares não lhe foram em conta pequena: um filho ficou anos presos por assassinato, insinuações de incesto e um suicídio. Ao morrer, pareciam todos urubus atrás da carniça, todos querendo um pedaço, o maior pedaço possível da única coisa que Brando conseguiu ter em quantidade e ser invejado por isso: dinheiro.

Brando é usado no cartaz como chamariz.
Vivien Leigh não aparece, nem qualquer outro actor.
Ontem vi "Um electrico chamado desejo". Este filme de 1951 foi "O filme" que fez TUDO pela carreira de Brando.  Brando ficou conotado como um sex-symbol devido à personagem. A sua aparência agradou as mulheres da década de 50, que começaram a suspirar com a sua simples presença no ecrã. Ao se depararem com aquela imagem com quem fantasiavam, em camisa interior, fantasiavam ainda mais. Ainda por cima era um bruto, que ás tantas na história ataca a cunhada. A mulherada nascida no princípio do século XX deve ter suspirado muito! Ainda hoje pode-se observar o quanto o papel de bad-boy (neste caso bad marido) na sua camisa interior branca de cavas (um acessório sexy só mesmo naquele tempo...) com os músculos a sair por fora, lhe trouxe fama. Em episódios como "os simpsons" fazem-se ramanescencias ao papel, mostrando o sempre calmo Ned Flanders invulgarmente bruto a rasgar a sua camisa de cavas em frangalhos, exibindo uma super-musculatura e a gritar o mítico (já avisei que este post tem muito miticismo) grito que encerra o filme "Steeeeela"!!!. 

E Marlon Brandon foi assim lançado. Tinha a beleza certa. A questão é que lhe apontavam e muitos ainda o apontam, como um actor maior que os outros. Com um talento que ia além de qualquer outra pessoa. E agora que os ânimos se acalmaram e a mulherada já não se deixa seduzir tanto pelo aspecto, os homens não querem mais ser como ele e os artistas largam o "miticismo" que rodeia a figura, vejam então com olhos "virgens e honestos" o talento de Marlon Brando.

É mesmo extraordinário? 

Não acredito em super-estrelas. Ah, eu sei que muito talento existe. Mas que este seja algo muito acima dos demais que têm menos sorte em serem conhecidos é que me fere a inteligência. Até o mais talentoso dos actores tem, por vezes, momentos em que não consegue "pegar" na personagem. Não existem infalíveis nem ninguém é muito superior aos restantes. Melhores sim, superiores já é outra coisa. 

Os músculos que fizeram suspirar plateias
Ao rever o filme "Um eléctrico chamado Desejo", estrelado por Vivien Leigh, reparei que mal conseguia perceber o que o Brando estava a dizer. A sua pronuncia nunca foi lá essas coisas. Tinha qualquer coisa na dicção que a tornava deficiente. Qualquer outro teria nisto um desgraçado handicapt mas em Brando foi uma vantagem. Porque aliado ao resto, ao tom de voz grave e à aparência atraente, tornou-o especial. Mas será isso especial por ter talento ou especial por reunir um conjunto de características extras que são sedutoras?

Ao longo da sua restante vida, este "mítico" actor fez pouco cinema. O que fez não é muito referenciado ou lembrado. Ficou essencialmente conhecido pelo seu papel como marido da irmã da cunhada Blanche Dubois neste filme "Um eléctrico chamado desejo". Entrou no "super-homem", "O último tango em Paris", "O padrinho" e em "Apocalipse Now". Acho que estas obras são, a bem ou a mal, as que servem de referência para definir a carreira do actor, sendo que algumas mesmo assim se eclipsam da memória curricular do espectador comum. Também fez "A ilha do Dr. Moreaux" mas digamos que o filme não causou sensação, pelo que convém até "ser metido na gaveta" para se continuar a agraciar e a elogiar sempre o mesmo...

Mal saiu dos anos-dourados, a figura de sex-symbol de Brando começou a desvanecer. A carreira foi junto mas o miticismo já estava criado. Seria para sempre um grande actor, com o qual um director suspirava para trabalhar. Faziam-lhe convites e se fossem aceites, era uma honra, que não se achavam merecedores. Tal era a vassalagem. Só que Brando já não era bem a mesma coisa. Tinha, segundo alguns dizem, dificuldade em memorizar as falas. (Mas alguma vez a teve?) É reportado que para o filme "Apocalipse Now" estava com tantos problemas que a sua actuação-chave, sentado na penumbra a recitar as falas - considerado o ponto alto da sua prestação no filme - não passou de uma decisão de última hora do director, devido às crescentes dificuldades. Bradon não acertava com aquilo e tiveram de lhe debitar o texto. 

E eu sempre me interroguei porquê o espanto e porquê tanto "endeusamento". Porquê? Porque vi o "making-off" do filme "Super-Homem" e neste fiquei a saber que o actor NUNCA memorizava as falas.  Um pobre-coitado tinha de andar a colar em partes despercebidas do cenário papéis para Brando ler, outro andava à frente do actor com enormes cartazes com as falas, para que ele as pudesse interpretar. Marlon Brando não se dava ao trabalho de memorizar as falas, fiquei CHOCADA!! Mas quem era ele a mais que os outros? Se qualquer outro actor tem de memorizar texto, porquê não ele? Assim também eu conseguia. 

Muitas vezes me interroguei se a prestação de um actor sai prejudicada com ensaios ou repetições de takes. Se aquela primeira interpretação, mais genuína e fresca, não é a melhor de todas. Mas será que ser um verdadeiro actor não é conseguir «entregar» sempre e quantas vezes forem necessárias? Brando tinha a vida "facilitada". Ele sentia a personagem e ia lá com base na interpretação do momento. Se existe alguma diferença como actor entre ele e qualquer outro, não reside esta num talento especial nem em qualquer outra coisa senão esta: ele fazia na hora. Lia e interpretava.

TODO o cenário de "Super-Homem" tinha CÁBULAS espalhadas estrategicamente longe da vista das câmaras, onde algum assistente de produção escreveu as falas de Marlon Brando. Este era um mestre, isso sim, em ler as mesmas enquanto se passeava a repeti-las. Existiam papéis no abatjour do candeeiro, nas costas de um sofá, um coitado de um assistente andava fora do set mas na frente do actor com um cartaz enorme com as falas para que as pudesse ler. Enfim. Acho que toda a carreira de Brando foi assim. Diferente das demais não por um especial talento, mas talvez, pela falta de uma característica dele.


E QUEM era o HOMEM Brando? Não se sabe. Eu pelo menos não tenho bem ideia. Criou-se o mito, esqueceu-se o homem. Para mim tinha as suas inseguranças. Deixar a sua boa aparência desvanecer até virar um super-obeso revela inseguranças e revoltas. Para mim, Brando sentia um certo desprezo pela bajulação e por ser glorificado pela sua boa pinta. Mas ao mesmo tempo que gostava de poder dispensar todas as atenções que lhe davam e toda aquela bajulação que sempre o cercava fosse onde fosse, momentos existiam em que também sentia falta e precisava um pouco dela. (coisa de artista). A vontade de contrariar, de ir contra a sua imagem de sex-symbol e o star-system não o devia desagradar, embora a sua aparência por vezes o deixasse triste e o fizesse sentir repugnância por si mesmo. (devia ter ido para psi, não?). Activista como muitos jovens com ideias são, julgo que deve ter sido muito difícil conviver com ele. De outro modo como justificar a disfuncionalidade da família que gerou? 


Quando as pessoas não se conhecem a elas próprias porque a ideia que os outros fazem delas atrapalha esse auto-conhecimento, dificilmente estão aptas o suficiente para se darem aos outros. E Brando, tal como qualquer outro mega-artista, se não conseguisse separar QUEM ele era da IMAGEM que criaram para ele, ficaria sem chão, sem eixo. Não sei se foi o caso mas mesmo que tivesse mantido esse eixo, certamente não seria fácil lidar com a imagem que os outros projectam de ti e as respectivas expectativas. Todos temos bons e maus momentos e até o mais seguro de si acaba por ter momentos de inseguranças. O receio de não corresponder aumenta, o medo de falhar toma conta. E a bebida muitas vezes entra em acção...

Em "Um eléctrico chamado desejo" que vi ontem na televisão, comecei a perceber o talento da actriz que fez de esposa de Brandon mais que qualquer outro. Kim Hunter* interpretou com muita autenticidade e sem grandes exageros a sua Stella, mas nos créditos finais o seu nome não aparece tão destacado quanto os outros dois, como que já a colocar-se uma barreira entre os actores. São os papéis por vezes menores mas entregues com menor teatralidade, que o tempo revela serem deliciosos. Porque cada década tem o seu quê de "piroseira", a sua própria linguagem. Tal como antigamente era comum fazer um pouco de over-acting, com maneirismos exagerados, beijos de selinho como o expoente da paixão, desmaios imediatos de moças emocionadas e explosões de fúria repentina, décadas depois esses "maneirismos" da linguagem visual deram lugar a outros. As "explosões" de fúria são antecedidas por uma "antecipação" crescente, os beijos são de bocas que quase se devoram uma à outra e metem muita língua, ninguém mais desmaia por qualquer coisa e em várias situações é possível prever como uma personagem vai reagir e até mesmo dizer. São coisas de GERAÇÕES. Marlon Brando pertencia à sua. Claro que os que vieram a seguir, nascidos e educados noutros contextos sociais, pertencem a outra, têm outros métodos. Mas todos adquirem formas de se expressarem típicas da época em que vivem. E por essa razão é que não adianta COPIAR o estilo de ninguém. O que funcionou no passado com um determinado tipo, não irá funcionar num contexto diferente da mesma forma. Existem sempre alterações e diferentes resultados. 


A autenticidade parece-me o caminho a ser seguido. Para Brandon essa autenticidade pode ter surgido da sua incapacidade de memorização de falas. O seu "miticismo" provém deste seu handicapt. Mas praticamente todos os actores pelo mundo a fora memorizam suas linhas ou têm-nas a ser debitadas por um aparelhozinho a que se chama auricular. Julgo que Brando ainda chegou a experimentar este facilitismo da tecnologia moderna... Se não o experimentou, aposto que desejou muitas vezes experimentar!
É curioso também estudar a reacção das pessoas a um mesmo acto. Hoje um actor que interprete seus papéis com um auricular no ouvido pode ser severamente desprezado pelos pares que, se forem de um "grau de estrelato" menor, a sua revolta de nada vai influenciar o resultado final. Mas esses mesmos actores que hoje criticam os pares que recorrem ao auricular, são capazes de endeusar o sr. Brando e apontá-lo como o melhor actor de todos os tempos. Ignorando o facto do "ídolo" ter também usado, a vida toda, "auricular".


O que faz um "bom actor" não é só ser-se um bom actor. Muitos actores têm desempenhos brutais ao lado de grandes estrelas, e são relegados devido à cegueira alheia que tal pode provocar. O factor sorte, timming e aspecto físico contam muito. Os interesses da indústria contam muito. É o mesmo princípio que se aplica a qualquer profissão, mas mais ainda nas que consistem em exposição pública. Talento não é tudo, pode até ser uma ínfima parte da questão. Para se ser um bom actor basta 20% é talento, 70% de trabalho e 10% da melhor sorte que se poder ter na vida! 

Depois também há aqueles actores cuja percentagem de talento é de 70%, trabalho é de 30% mas lhes falta o resto. 

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Carregar na imagem para
uma interessante matéria
onde por casualidade a actriz
menciona o que faz uma pessoa
virar uma super-estrela.
*Kim Hunter, fiquei agora a saber, tal como os restantes do elenco, já interpretara Stella nos palcos da Brodway, sendo que o filme foi a filmagem dessas actuações (lá vai a "teoria" de que a repetição pode «danificar» a autenticidade). Por este papel cinematográfico ganhou um óscar e um globo de ouro. Também foi ela a intérprete principal da comunidade de chimpanzés no filme "Planeta dos Macacos", com Cherleton Huston, no papel de Zyra
 
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